Explorando Evidências Recentes sobre a Relação entre Disbiose, Sintomas Comportamentais e Intervenções Terapêuticas no TEA
O microbioma intestinal é um ecossistema composto por trilhões de microrganismos, incluindo bactérias, fungos, vírus e arqueias, que desempenham papéis essenciais na digestão, imunidade, metabolismo e na comunicação com o sistema nervoso central. Uma pesquisa crescente no campo do eixo intestino- cérebro sugere que a composição da microbiota intestinal impacta significativamente o comportamento e processos neurológicos, especialmente em pacientes com transtorno do espectro autista (TEA), segundo estudos emergentes que apontam a disbiose como um fator de modulação de sintomas[1].
Bases Fisiológicas e Neuroimunológicas do Eixo Intestino-Cérebro
O eixo intestino-cérebro representa uma via bidirecional de comunicação entre o sistema nervoso central e o trato gastrointestinal, mediada por mecanismos neurais, endócrinos, imunológicos e metabólicos.
Principais vias do eixo intestino-cérebro
Neural | Nervo vago, sistema nervoso entérico e neurotransmissores do TGI (GABA, serotonina, melatonina, histamina e acetilcolina) |
Endócrina | Eixo HPA, peptídeos das células enteroendócrinas etc |
Imunológica | Citocinas (IL-10, IL-14), interferon-gama, imunoglobulina A |
Metabólica | AGCC e LPS. |
A microbiota intestinal influencia o sistema nervoso entérico e, por meio de moléculas sinalizadoras como neurotransmissores (por exemplo, serotonina), ácidos graxos de cadeia curta e metabólitos bacterianos, impacta diretamente a função neurológica e o comportamento[2].
Em indivíduos com TEA, alterações no microbioma têm sido associadas a uma maior permeabilidade da barreira intestinal (o chamado "intestino permeável"), o que pode permitir a translocação de componentes imunomoduladores para a corrente sanguínea, desencadeando respostas inflamatórias sistêmicas e afetando a neuroplasticidade[3].
A neuroplasticidade é um aspecto fundamental no indivíduo com TEA para odesenvolvimento cognitivo e para compensar dificuldades de comunicação e interação social[1].
Evidências Científicas sobre a Relação entre Microbiota e TEA
Estudos clínicos e experimentais mostram que indivíduos com TEA apresentam perfis específicos de microbiota intestinal, com redução das populações de Lactobacillus e Bifidobacterium e aumentos de microrganismos oportunistas e patogênicos[8]. A composição da microbiota parece modular a expressão de genes relacionados ao sistema imunológico e ao desenvolvimento cerebral, indicando um papel potencial no agravamento ou na atenuação interrupção dos sintomas associados ao autismo. Por exemplo, foi observado que alterações na composição microbiana podem influenciar diretamente os níveis de neurotransmissores no sistema nervoso central, modulando características comportamentais como ansiedade, hiperatividade e sociabilidade[4].
Os distúrbios gastrointestinais estão entre as condições médicas mais comuns associadas ao TEA. Entre elas, citam-se: constipação, diarreia, dor abdominal e refluxo. A disbiose intestinal demonstrou estar envolvida em alterações das funções gastrointestinais, permeabilidade intestinal, imunologia da mucosa e motilidade intestinal. Os sintomas gastrointestinais podem ser ainda mais desafiadores no TEA pela pouca ou nenhuma habilidade de comunicação. Problemas gastrointestinais crônicos também foram associados a níveis mais altos de hiperresponsividade sensorial [11].
Outro aspecto importante é a seletividade alimentar, comum em indivíduos com TEA. Essa recusa por alimentos específicos devido a cheiro, sabor ou textura pode agravar disbiose e provocar problemas gastrointestinais[10].
Probióticos, Prebióticos e Dietas Terapêuticas
Intervenções dietéticas, incluindo a administração de probióticos (microrganismos vivos benéficos) e prebióticos (substratos que favorecem o crescimento desses microrganismos), foram propostas como estratégias para modulação da microbiota em indivíduos com TEA. Diferentes cepas probióticas de Lactobacillus e Bifidobacterium, por exemplo, demonstraram efeitos promissores na restauração da homeostase microbiana, redução de inflamações e modulação de metabólitos bioativos envolvidos em funções neurológicas[5]. Estudos clínicos preliminares indicam que o uso regular de probióticos pode melhorar a saúde intestinal e, consequentemente, comportamentos modulares ligados ao TEA, incluindo habilidades sociais, comportamentos repetitivos e sintomas gastrointestinais comumente associados5.
Uma metanálise publicada em novembro de 2024 revelou que a suplementação probiótica leva à melhora significativa nos sintomas comportamentais do TEA em comparação ao grupo controle [12]. As análises estatísticas do estudo indicaram descobertas significativas: 1) Intervenções com duração superior a 3 meses exibiram melhores resultados; 2) Tanto probióticos multicepas quanto cepa única mostraram uma melhora geral dos pacientes. A necessidade de abordagens de tratamento personalizadas e mais pesquisas para confirmar a eficácia e a segurança dos probióticos no gerenciamento do TEA é enfatizada.
Além disso, dietas sem glúten e caseína, que visam minimizar os componentes alimentares que podem interferir na microbiota ou desencadear respostas imunológicas, têm sido estudadas como terapia coadjuvante para redução de sintomas comportamentais e gastrointestinais. No entanto, é crucial que essas estratégias sejam realizadas sob orientação médica e com avaliações rigorosas de sua eficácia clínica para evitar desequilíbrios nutricionais[8].
Intervenções Futuras: Potenciais Terapias Baseadas na Microbiota
O futuro das terapias para TEA pode estar relacionado à modulação do microbioma intestinal. Estratégias como o transplante de microbiota fecal (TMF), que transfere microbiota saudável de um doador para um receptor, apresentam resultados promissores em estudos clínicos iniciais para restaurar o equilíbrio microbiano e melhorar os sintomas comportamentais9. Os avanços no mapeamento genético das cepas bacterianas e na compreensão de suas funções específicas oferecem novas possibilidades para terapias personalizadas, com foco em alvos específicos do eixo intestino-cérebro.
Conclusões e Perspectivas Terapêuticas
O crescente corpo de evidências científicas reforça a importância do microbioma intestinal como um modulador potencial dos sintomas do transtorno do espectro autista. A seletividade alimentar, comum em indivíduos com TEA, pode agravar a disbiose intestinal e desencadear problemas gastrointestinais de origem idiopática e deficiências nutricionais. Compreender e manipular a microbiota pode oferecer novas abordagens terapêuticas, complementando intervenções comportamentais e farmacológicas tradicionais.
Essa abordagem integrativa pode proporcionar melhorias na qualidade de vida de indivíduos com TEA, além de abrir novas perspectivas para o tratamento de outras condições neuropsiquiátricas. Estudos recentes associam o agravamento dos sintomas típicos do TEA à disbiose, devido ao processo inflamatório na mucosa intestinal e ao consequente aumento da permeabilidade intestinal, o que pode desencadear alterações neurológicas, metabólicas e comportamentais características do quadro clínico[10].
Referências:
Int J Environ Res Public Health.2020 https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32290635/
Metabolites 2022, 12(1), 10; https://doi.org/10.3390/metabo12010010
BMC Psychiatry.2016 https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27260271/
Nutr Rev.2016 https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27864534/
Front Psychiatry.2019 https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30733689/
Expert Review of Gastroenterology & Hepatology Volume 15, 2021
https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/17474124.2021.1869938
AGNES, M. H. .; ALMEIDA, S. G. Nov.2024 https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/46132
SAÚDE INFANTIL HOSPITAL PEDIÁTRICO DE COIMBRA. Dez.2021 https://saudeinfantil.asic.pt/images/download-arquivo/2021%20-%203%20-%20Dezembro/RSI-Dezembro-2021-versao-integral.pdf#page=18
Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. set.2023.https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/11559/5192
J. Health Biol Sci. 2022 https://docs.bvsalud.org/biblioref/2023/01/1411337/4201.pdf
GERALDONE et al., 2022. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35406084/
SOLEIMANPOUR et al., 2024 https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39265200/
Comments